*Atualizado em 3 de outubro de 2024
O Primo Basílio é um excelente clássico do autor português Eça de Queirós. O livro já esteve presente diversas vezes nas listas de leituras obrigatórias para vestibulares e é considerado um marco por retratar de forma satírica a sociedade burguesa lisboeta do século XIX.
Eu já havia lido há muitos anos O Crime do Padre Amaro, do Eça também, mas não tinha percebido a genialidade do autor na época.
No caso do Primo Basílio, são tantas ironias e os personagens são tão caricatos que fica impossível não se divertir com a obra. Veja abaixo a sinopse:
Primo Basílio, de Eça de Queirós, é um romance realista publicado em 1878. A trama gira em torno de Luísa, uma jovem casada que leva uma vida entediante com o marido Jorge, um engenheiro. Quando Jorge viaja a trabalho, Luísa se envolve em um caso extraconjugal com seu primo Basílio, um sedutor que retorna a Lisboa após anos no exterior. O relacionamento entre os dois rapidamente se torna perigoso quando Juliana, a empregada de Luísa, descobre a traição e começa a chantageá-la. O romance expõe os valores da sociedade lisboeta da época, tratando de temas como adultério, hipocrisia social e moralidade.
Por se tratar do português de Portugal do século XIX, nem sempre a leitura foi fácil e fluida, já que o vocabulário é bem divergente do nosso português brasileiro. Porém, nada que tenha me impedido de aproveitar a história de Luísa, uma mulher adúltera que se entrega a uma paixão avassaladora, sem pensar nas consequências futuras dessa relação tempestuosa com seu primo.
Eça de Queirós se inspirou bastante em Madame Bovary, de Gustave Flaubert, considerado um dos principais autores do realismo literário no século XIX.
Enquanto Flaubert narrava a vida entediante e deprimente de Emma Bovary na França, Eça transportou essa dona de casa triste e sem perspectivas para o contexto português, especificamente para a sociedade lisboeta.
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Luísa é a protagonista da história, uma jovem casada e sonhadora que vive de forma monótona com o marido, Jorge. Logo no começo do livro percebemos que ela tenta se convencer de que é feliz no casamento, mas assim que ele parte em uma longa viagem a trabalho, Luísa começa a se sentir entediada.
Alguns dias após a partida de Jorge, chega à Lisboa o primo Basílio, um homem charmoso que tinha acabado de voltar do Brasil. Contudo, é importante ressaltar que Basílio é um homem egoísta e manipulador. Ele volta a Portugal após anos fora e vê em Luísa uma oportunidade para um caso amoroso sem maiores compromissos.
Luísa se entrega completamente ao romance: não consegue viver sem Basílio, só pensa nele, faz de tudo pelo primo. Eles se encontram todas as tardes em um quartinho alugado apelidado de Paraíso. Enquanto Basílio só quer uma amante, ela já faz planos de fugir com ele para Paris.
Luísa foi deixada de lado por Jorge, o marido que é retratado como uma figura moralmente íntegra e inocente, alheio à traição da esposa. Entretanto, em confidência ao seu melhor amigo Sebastião, ele conta que teve alguns “casinhos” enquanto viajava. Ou seja, ele pode trair sem problemas, agora se descobrir que a esposa fez o mesmo…é a típica hipocrisia que Eça gosta tanto de ressaltar na narrativa.
Eu acho que uma das melhores personagens é Juliana, a empregada que descobre a traição de Luísa e começa a chantageá-la.
Juliana sempre foi maltratada por Luísa. Dormia em um quarto pequeno, abafado, com a cama repleta de percevejos. Vivia doente e, por isso, era mais lenta no trabalho. A patroa não fazia a menor questão de ser gentil com ela, muito menos de sentir qualquer empatia.
O ódio de Juliana por Luísa só cresce a cada vez que a patroa ralha com ela. Então, quando encontra as cartas de Luísa para Basílio, não pensa duas vezes e guarda essas provas para usar contra ela.
Assim que ela revela a Luísa que sabe tudo da traição, a relação das duas se inverte e, enquanto Juliana ganha presentes e obtém inúmeros benefícios na casa, a patroa que toma o papel da empregada e começa a limpar, engomar as roupas, entre outras tarefas domésticas.
Além disso, existem outros personagens secundários que são bastante caricatos, que visitam Luísa todos os domingos à noitinha.
Temos o conselheiro Acácio, um dos símbolos da hipocrisia e da moralidade vazia da sociedade da época. Ele é formal, pedante e segue rigidamente as convenções sociais, representando o moralismo superficial da elite lisboeta.
Sebastião é o melhor amigo de Jorge e uma das poucas personagens genuinamente boas. É discreto, leal e tenta ajudar Luísa, agindo como uma figura protetora. Ele nutre sentimentos por ela, mas nunca se aproveita de sua vulnerabilidade.
D. Felicidade é vizinha e amiga de Luísa. Uma mulher fofoqueira, dramática, solitária, católica, que vive cercada de ilusões sobre o amor, mas nunca teve um relacionamento verdadeiro. Representa a alta sociedade de Lisboa.
Julião é um médico e parente afastado de Jorge, que adora falar mal de tudo e de todos. É contra o governo, o sistema, a justiça do mundo. Está sempre revoltado. Quando recebe um cargo público, contudo, as aparências se alteram: torna-se então, um “amigo da ordem”.
Ernesto, ou Ernestinho, é primo de Jorge. Escritor vazio, franzino, preocupado com dramalhões românticos, os quais escreve para o teatro.
Além dos amigos do casal, há também Joana, a cozinheira, que é bem afeiçoada à Luisa, mas começa a se estranhar com Juliana, principalmente depois que ela começa a ganhar notoriedade na casa.
Leopoldina também é uma figura importante, amiga somente de Luísa, é uma mulher casada e libertina, com uma vida amorosa fora dos padrões sociais da época. É para Leopoldina que Luísa pede socorro quando Juliana começa a chantageá-la. Jorge detesta Leopoldina, por sinal.
Toda essa rede de personagens só deixa a narrativa de O Primo Basílio ainda melhor. Enquanto acompanhamos as aflições de Luísa e o mau-caratismo de Basílio, temos também a perspectiva desses outros personagens que, juntos, são uma viva representação da sociedade da época.
Eça de Queirós é inovador na profundidade psicológica de seus personagens e pela maneira como expõe as contradições da moralidade portuguesa no século XIX. Durante o livro, não tem como não rir ou se revoltar com tanta hipocrisia.
Além disso, a linguagem clara e objetiva do livro refuta a escola literária anterior, o romantismo, cheio dos exageros linguísticos e da visão de mundo centrada no ser humano, com destaque para a idealização da sociedade, do amor e da mulher. É só ler Os Sofrimentos do Jovem Werther para perceber essa grande diferença.
Temas como adultério, chantagem e hipocrisia social chocaram parte dos leitores da época de Eça, mas também garantiu ao livro um status de crítica mordaz da sociedade.
Gostei muito de ler O Primo Basílio e fiquei também com vontade de revisitar as obras de Machado de Assis, contemporâneo de Eça. A próxima resenha provavelmente será de Dom Casmurro, o clássico dos clássicos da literatura brasileira. Até mais!
NOTA:
Isabela Zamboni Moschin é jornalista, especialista em Língua Portuguesa e Literatura e mestre em Mídia e Tecnologia. Adora café, livros, séries e filmes. Atualmente, trabalha como Analista de Conteúdo na Toro Investimentos