*Atualizado em 8 de março de 2024
O livro O Assassino Cego, de Margaret Atwood, é uma das melhores leituras que eu fiz nos últimos tempos, sem dúvida. Já entrou para a lista dos favoritos e não consigo deixar de pensar na história, nos personagens e nessa trama tão densa, intrigante e delicada. Não é somente com O Conto da Aia que a autora canadense impressiona. O livro de 2001 – sem nenhuma reedição até o momento – é uma excelência.
Vamos à sinopse:
“Assombrada, aos nove anos, pela imagem da mãe, que no leito de morte lhe pede que tome conta da irmã menor, aos dezoito anos Iris Chase Griffen é literalmente vendida a um industrial. Já idosa, Iris divaga a respeito desses eventos e dos momentos que sucederam o suicídio da irmã Laura. Precisa em sua crítica social, a autora expõe nesse romance a maneira pela qual as mulheres são usadas pelos homens e como o poder concedido pela riqueza pode ser utilizado como arma mortal.”
Optei por essa sinopse porque tem uma outra que CONTA PRATICAMENTE O FINAL do livro, então melhor explicar resumidamente para não dar nenhum spoiler (aliás, o que acontece com algumas sinopses por aí, não é mesmo? Como podem dar detalhes cruciais da obra?).
O Assassino Cego é uma prosa que nos deixa inebriados e sem fôlego. Intercalando diversas vozes, adentramos na vida das irmãs Íris e Laura, garotas que desde a infância são atormentadas por problemas familiares e um certo tipo de abandono. Logo no início já sabemos que Laura, a irmã mais nova, comete suicídio e deixa para Íris algumas lembranças, que vão desencadear toda a trama.
O livro intercala notícias de jornais, trechos do aclamado livro póstumo O Assassino Cego – de autoria de Laura – e lembranças de Íris, que com 83 anos e sofrendo de problemas de saúde, escreve detalhes de seu passado em um diário.
“Eles mal olharam para mim. Devem ter me achado uma coisa pitoresca, mas suponho que o nosso destino seja o de nos tornarmos algo pitoresco aos olhos dos mais jovens. A menos que haja sangue no chão, é claro. Guerra, peste, crime, qualquer tipo de calamidade ou violência, é isso que eles respeitam. Sangue quer dizer que fomos sérios.” (p. 48)
O livro O Assassino Cego fez Laura ser uma escritora famosa e aclamada após sua morte, já que nunca foi reconhecida em vida. Iris vive na cidade de Port Ticonderoga, em que passou toda a juventude – e sempre passeia pelo cemitério da família Chase, a fim de revisitar o passado de seus familiares. Lá, em diversos momentos encontra fãs de Laura que deixam flores e lembranças no túmulo; isso faz Íris lembrar ainda mais com saudade da irmã, que foi uma mulher sensível, excêntrica e com uma personalidade curiosa.
Eu não consigo descrever o quanto esse livro é arrebatador. Conforme avançava na leitura, mais triste e melancólica eu me sentia, mas mesmo assim não conseguia parar de ler. A história das irmãs Chase envolve tantos tipos de abusos que fica difícil não chorar, se emocionar e se sentir desolada. Não estou exagerando, em diversos momentos rolaram lágrimas.
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Íris relata os principais acontecimentos que fizeram a história de quatro gerações dos Chase: da ascensão social, conquistada com a fábrica de botão fundada pelo avô Benjamin em 1870, até o seu casamento por interesse em 1935, com o rico industrial Richard Griffen.
Não é um casamento por interesse de Íris, mas de seu pai, que estava à beira da falência e tentou encontrar uma solução para que as filhas perseverassem. No período pré Segunda Guerra, as moças não tinham muito futuro além de depender de um casamento arranjado com um homem rico. Mas o mais absurdo é que Richard já tinha 35 anos, enquanto Íris acabava de fazer 18.
Esse casamento comprometeu a felicidade das duas irmãs. No livro, Íris divaga a respeito desses eventos, fazendo uma retrospectiva de vida, e dos momentos que sucederam ao suicídio de Laura. Cada palavra parece perfurar, tamanho poder de observação de Margaret Atwood. A autora é capaz de transformar detalhes em metáforas incríveis, repletas de sarcasmo e crítica social.
“Que invenções elas são, as mães. Espantalhos, bonecos de cera para espetarmos agulhas, diagramas toscos. Nós lhes negamos uma existência independente, nós as inventamos para satisfazer nossos caprichos – nossas necessidades, nossos desejos, nossas fraquezas. Agora que também fui mãe, eu sei.” (p. 98)
Vale ressaltar que adoro dramas familiares. Mas essa obra não é somente sobre uma família e suas gerações, mas sobre luto, perda, solidão, lembranças, saudade. Uma comunidade devastada por guerras e opressão, mulheres tentando sobreviver a um pandemônio, em que são trocadas e vendidas como se fossem mercadorias.
Por sorte, eu ganhei o livro de presente de Natal do meu marido, porque o preço dele está acima da média. Por não ter nenhuma versão recente, virou quase uma relíquia. Então, infelizmente você vai ter que desembolsar uma graninha ou encontrar em algum sebo a edição antiga da Rocco.
“Por que será que queremos tanto celebrar a nossa memória? Mesmo enquanto ainda estamos vivos. Queremos afirmar nossa existência, como cachorros mijando em hidrantes. Exibimos nossos retratos emoldurados, nossos diplomas em papel vegetal, nossas taças prateadas; bordamos nossos monogramas nos lençóis, gravamos nossos nomes em árvores, ou os rabiscamos nas paredes dos banheiros. É sempre o mesmo impulso. O que esperamos conseguir com isso? Aplauso, inveja, respeito? Ou simplesmente atenção, seja de que tipo for?
No mínimo, queremos uma testemunha. Não podemos suportar a ideia de as nossas próprias vozes silenciando finalmente, como um rádio sem bateria.” (p. 100)
“A única forma de escrever a verdade é supor que o que você colocar no papel jamais será lido. Nem por outra pessoa nem por você mesma mais tarde. Senão você começa a se desculpar. Você tem de ver as palavras emergindo como um longo arabesco de tinta do dedo indicador da sua mão direita; e ver a sua mão esquerda apagando-o. Impossível, é claro.” (p. 271)
Outro elemento que deixou a obra de Atwood ainda melhor: o final é recheado de reviravoltas e faz o leitor pensar “como eu não percebi isso antes?”. Em alguns momentos eu supus o que estava acontecendo, mas ainda assim, nas últimas páginas, você pode se chocar com os fatos que, finalmente, são colocados em seus devidos lugares.
“Tempo: frio e velho tempo, velhas dores, depositando-se em camadas como lodo no fundo de um lago.” (p. 286)
Ler O Assassino Cego é como ser levado pelas ondas. Você é arrastado para dentro de uma história bela, primorosa, mas com tantos percalços, tristezas e acontecimentos marcantes, que fica difícil se desvencilhar e encontrar terra firme.
Eu fiquei realmente impressionada e recomendo que você comece ler agora mesmo!
NOTA:
Isabela Zamboni Moschin é jornalista, especialista em Língua Portuguesa e Literatura e mestre em Mídia e Tecnologia. Adora café, livros, séries e filmes. Atualmente, trabalha como Analista de Conteúdo na Toro Investimentos