*Atualizado em 6 de março de 2024
O livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, é extremamente importante. São os diários de uma mulher que viveu na comunidade do Canindé, em São Paulo, na década de 1950.
Passando fome, com três filhos para criar, Carolina catava papel e fazia o que podia para sobreviver e alimentar as crianças. Ler esse livro faz qualquer problema que você tenha na vida parecer infinitamente minúsculo.
De acordo com a sinopse,
Do diário da catadora de papel Carolina Maria de Jesus surgiu este autêntico exemplo de literatura-verdade, que relata o cotidiano triste e cruel da vida na favela. Com uma linguagem simples, mas contundente e original, a autora comove o leitor pelo realismo e pela sensibilidade na maneira de contar o que viu, viveu e sentiu durante os anos em que morou na comunidade do Canindé, em São Paulo, com seus três filhos. Ao ler este relato-verdadeiro best-seller no Brasil e no exterior – você vai acompanhar o duro dia a dia de quem não tem amanhã. E vai perceber que, mesmo tendo sido escrito na década de 1950, este livro jamais perdeu sua atualidade.
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Ler os diários de Carolina nos mostram a realidade cruel de quem passou pelos infortúnios da fome e da miséria. Uma mulher que luta diariamente para sustentar os filhos pequenos, trabalhando mais de 10 horas seguidas para arrecadar poucas moedas e conseguir comprar alimentos para as crianças.
Contudo, mesmo com uma vida tão difícil, Carolina consegue contar sobre seus dias, sentimentos e vontades de um jeito sensível. É uma excelente narradora, que nos faz querer acompanhar a sua rotina, suas angústias, medos e momentos de felicidade. Seu retrato da comunidade do Canindé é simples e original.
Na época, Quarto de Despejo foi um sucesso de vendas. Pela primeira vez, alguém de dentro da favela conduziu um relato autêntico e verossímil sobre a vida nas comunidades. No entanto, não é uma leitura fácil: é quase um soco no estômago, a verdade escancarada sobre exploração, crueldade, racismo, corrupção política, preconceitos, desigualdade e muito mais.
A cor da fome, para Carolina, é amarela. Em uma passagem, a autora demonstra a sensação mais dolorosa que poderia existir:
“Eu que antes de comer via o céu, as árvores, as aves, tudo amarelo, depois que comi, tudo normalizou-se aos meus olhos.”
Ela também sempre ressalta como as crianças sentem fome e como é difícil ser a provedora da casa em condições tão avassaladoras:
“Como é horrível ver um filho comer e perguntar: ‘Tem mais?’ Esta palavra ‘tem mais’ fica oscilando dentro do cerebro de uma mãe que olha as panelas e não tem mais.”
Carolina Maria de Jesus terminou os estudos na segunda série primária, mas uma professora a fez se apaixonar pela literatura. Os livros são parte importante e essencial da autora de Quarto de Despejo: trazem dignidade, apoio e esperança aos dias cinzas — ou amarelos.
“A tontura do álcool nos impede de cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.”
A revolta é constante nos diários. Mas em situações tão precárias, quem não se sentiria agoniado? Em inúmeras passagens Carolina ressalta como viver é difícil e sua vontade é ficar deitada, sem sair da cama. Também faz inúmeras críticas às maldades das pessoas, sejam elas vizinhos, comerciantes ou políticos populistas.
“…O que eu revolto é contra a ganancia dos homens que espremem uns aos outros como se espremesse uma laranja.”
[…]
“Percebi que no Frigorífico jogam creolina no lixo, para o favelado não catar a carne para comer.”
[…]
“…Tem pessoas aqui na favela que diz que eu quero ser muita coisa porque não bebo pinga. Eu sou sozinha. Tenho três filhos. Se eu viciar no álcool os meus filhos não irá respeitar-me. Escrevendo isto estou cometendo uma tolice. Eu não tenho que dar satisfações a ninguém. Para concluir, eu não bebo porque não gosto, e acabou-se. Eu prefiro empregar o meu dinheiro em livros do que no álcool.”
[…]
“O branco é que diz que é superior. Mas que superioridade apresenta o branco? Se o preto bebe pinga, o branco bebe. A enfermidade que atinge o preto, atinge o branco. Se o branco sente fome, o negro também. A natureza não seleciona ninguém.”
[…]
“Eu acendi o fogo, esquentei agua e lavei as crianças. Fiquei horrorisada com a maldade da Dona Rosa. (…) Ela sabe que aqui na favela não pode alugar barracão. Mas ela aluga. É a pior senhoria que eu já vi na vida. Porque será que o pobre não tem dó do outro pobre?”
[…]
“A democracia está perdendo seus adeptos. No nosso país tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos fraquíssimos. E tudo o que é fraco, um dia morre.”
O livro descoberto pelo jornalista Audálio Dantas chegou a vender 10 mil exemplares em apenas uma semana. Hoje, Quarto de Despejo já foi traduzido para 14 idiomas. Em determinado momento, alguns se questionaram se a obra era autêntica ou se o próprio jornalista teria alterado a composição do texto. Contudo, como explica Manuel Bandeira:
“Muita gente tem me perguntado se acredito na autenticidade do livro. Querem atribuí-lo a trabalho de Audálio Dantas sobre notas, apontamentos de Carolina. Houve de fato algum trabalho de composição da parte de Audálio. Este declarou no prefácio que selecionou trechos dos cadernos de Carolina, suprimiu frases. Não enxertou nada. Acredito. Há nestas páginas certos erros, certas impropriedades de expressão, certos pedantismos de meia instrução primária, que são de flagrante autenticidade, impossíveis de inventar.”
A narrativa de Carolina, com sua força e relatos sinceros, nos faz visualizar a dor e o desgosto de uma mulher que precisou passar por situações duras, mas sem perder o senso crítico.
Quarto de Despejo é uma obra atemporal e imprescindível para o despertar da realidade. Mesmo sendo de 1950, ainda é condizente com os dias de hoje. Recomendadíssimo!
Nota:
Isabela Zamboni Moschin é jornalista, especialista em Língua Portuguesa e Literatura e mestre em Mídia e Tecnologia. Adora café, livros, séries e filmes. Atualmente, trabalha como Analista de Conteúdo na Toro Investimentos