*Atualizado em 8 de março de 2024
Da mesma forma que conduz de um jeito único a vida de Maria Stuart, da Escócia, Stefan Zweig conta de forma majestosa a história de uma das rainhas mais polêmicas e conhecidas da história: Maria Antonieta.
Eu sempre gostei de biografias, mas confesso que poucos estilos narrativos encantam como o de Zweig. Suas palavras transformam acontecimentos banais ou de pouca importância em histórias incríveis e cativantes. Ao mesmo tempo em que esse tipo de abordagem pode ser prejudicial em termos históricos, em termos literários é uma fonte inesgotável de encanto.
Eu conhecia bem pouco a história de Maria Antonieta; lembrava apenas de sua importância como estopim para a Revolução, os gastos exacerbados como rainha da França, o gosto pela moda e sua figura controversa. No entanto, ao ler essa biografia, conhecemos um lado mais “humano” de Maria Antonieta e ao mesmo tempo reconhecemos toda a perversidade da nobreza da época.
A biografia começa desde a infância, ainda na Áustria, antes do casamento com o futuro herdeiro da França Luís XVI. A garota é filha da rainha austríaca Maria Teresa, uma soberana respeitada e de altíssima inteligência e astúcia política.
“[…] uma era dourada de felicidade parece ter se instaurado com aquela loira mensageira vinda da Áustria, e mais uma vez enche-se de esperança o coração do povo amargurado e desiludido da França.”
No entanto, sua filha não compartilha dos mesmos atributos. Maria Antonieta mostrou-se desde o início inconsequente e despreparada para desempenhar o papel que haviam determinado para ela.
Casou-se com Luís XVI aos catorze anos e passou sua adolescência influenciada pelas regras e costumes de uma corte conservadora e afundada nas regras de etiqueta. O povo logo lhe atribuiu a culpa por tudo que há séculos vinha padecendo sob a monarquia – era constantemente odiada por ser austríaca e pela sua leviandade.
“Da primeira à última hora, a alma humana livre e espontânea de Maria Antonieta luta contra a artificialidade desse ambiente herdado pelo casamento, contra a falta de naturalidade patética dessas pessoas engomadas em suas crinolinas e espartilhos. A vienense despreocupada e leviana sempre se sentiu uma estranha naquele pomposo palácio de Versalhes com suas mil janelas.”
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É inacreditável ler o que acontecia dentro do palácio de Versalhes. Não parece possível que uma sociedade como aquela existia com tantas leis, regras e costumes morais tão odiosos. Toda uma vida baseada na ignorância, na futilidade e nas enormes despesas, todas usufruídas de um povo miserável, passando fome, que precisava pagar pelos impostos abusivos da Coroa.
Não que um governo que roube do povo para benefício próprio seja algo novo ou impensável (afinal, no Brasil isso sempre foi uma realidade), mas o que torna tudo ainda mais destoante são as decisões bizarras de Luís XVI e Maria Antonieta como casal de soberanos.
Era um casal que não tinha absolutamente nada em comum, mas respeitavam-se, desde que um não atrapalhasse as vontades do outro. Luís XVI era tímido, comilão, sem interesse nenhum por atividades que não envolvessem a caça e sua oficina de materiais; Maria Antonieta não suportava o tédio e, aos poucos, conseguiu transformar sua vida em um eterno paraíso fugaz: festas, bebidas, comidas, doces, bailes de máscaras, ópera, jogatinas, amizades fúteis – tudo o que envolve uma vida de libertinagem. Um aceitava isso no outro e conviviam harmoniosamente, mas sem partilhar o leito conjugal.
“Essa leviandade na concepção da vida, indubitavelmente culpa sua, do ponto de vista da história, foi ao mesmo tempo a culpa de sua geração; pela absoluta sanção do espírito de seu tempo, Maria Antonieta é a típica representante do século XVIII. O rococó, essa representação deturpada e exageradamente sutil de uma cultura ancestral, o século das mãos finas e ociosas, do espírito frívolo e mimado, pretendia, antes de declinar, ver-se representado numa figura. Porém, nenhum rei nem homem algum poderiam representar esse século feminino no álbum da história. Apenas na figura de uma mulher, de uma rainha, poderia ele refletir sua imagem plástica, e Maria Antonieta tornou-se a figura exemplar da rainha do rococó. A mais despreocupada dos despreocupados, a mais esbanjadora entre os esbanjadores, a mais delicadamente elegante, a mais conscientemente coquete entre as galantes e coquetes, ela expressou em sua própria pessoa, de maneira documental e inesquecível, os usos e a vida artificial do século XVIII.”
Maria Antonieta ficou casada por anos sem que o casamento fosse consumado. Uma de suas frustrações – e de sua mãe – era não ter nenhum herdeiro. No entanto, após sete anos, conseguiu dar à luz. E o mais engraçado é saber o quanto as questões sexuais do casal eram expostas a todos, sem nenhum pudor. O leito de um rei e uma rainha era assunto público e não havia nenhum problema nisso.
Eu poderia ficar aqui falando por muito tempo sobre como essa biografia é incrível e narrando os fatos mais impensáveis da vida desse casal e da França como nação no século XVIII. Porém, deixo para vocês conferirem essa obra fenomenal e me contarem o que acharam.
Não poderia também deixar de comentar sobre o filme de Sofia Coppola, uma excelente biografia cinematográfica, com Kirsten Dunst no papel da Rainha austríaca. Recomendadíssimo! Veja o trailer:
Afinal, Maria Antonieta mereceu aquele destino fatal? Ou ela foi vítima de um sistema defasado como a monarquia? Vale a discussão. 🙂
NOTA:
Isabela Zamboni Moschin é jornalista, especialista em Língua Portuguesa e Literatura e mestre em Mídia e Tecnologia. Adora café, livros, séries e filmes. Atualmente, trabalha como Analista de Conteúdo na Toro Investimentos