*Atualizado em 6 de março de 2024
O Morro dos Ventos Uivantes é um dos meus livros preferidos da vida. Li pela primeira vez em 2009 e me apaixonei pela história.
Na época, com 19 anos, eu tinha outro blog e também escrevi uma pequena resenha sobre a obra de Emily Brontë. Hoje, beirando os 30 anos, reli O Morro na edição da Zahar, com notas explicativas, textos introdutórios e apresentações da própria Charlotte Brontë, irmã mais velha de Emily.
Meu apreço pelo livro não se alterou: pelo contrário, parece que agora gosto ainda mais. E não porque se trata de uma história de amor que já foi reproduzida e adaptada milhares de vezes. Na verdade, o livro não é sobre um casal apaixonado ou uma narrativa simples sobre um amor que transcende as barreiras do tempo: é muito mais.
Emily Brontë representa em seus personagens o nascer da crueldade, o egoísmo, a loucura, a vingança e a maldade. Seus temas góticos misturados com uma linguagem simples e descrições de poucos cenários – aqueles que a autora conhecia muito bem – tornam O Morro dos Ventos Uivantes uma obra para ser lida, relida, analisada e discutida.
A sinopse do livro é a seguinte:
Caro leitor, você está prestes a adentrar o inferno. Mas não hesite: a viagem valerá cada segundo. Essa é uma história de amor e obsessão. E de purgação, crueza, devastação. No centro dos acontecimentos estão a voluntariosa e irascível Catherine Earnshaw e seu irmão adotivo Heathcliff. Rude nos modos e afetos, humilhado e rejeitado, ele aprende a odiar; mas com Catherine desenvolve uma relação de simbiose, paixão e também perversidade. Nada destruirá a essência desse laço – mas quando ela se casa com outro homem, por convenções sociais, as consequências são irreparáveis para todos em volta. Acompanhando a excelente tradução de Adriana Lisboa, essa bela edição de O morro dos ventos uivantes traz 90 notas, apresentação de Rodrigo Lacerda, cronologia de vida e obra de Emily Brontë e ainda dois textos de Charlotte Brontë para a reedição do livro que ela organizou após a morte da irmã.A versão impressa apresenta ainda capa dura e acabamento de luxo.
Catherine e Heathcliff desenvolvem laços desde a infância, que vão perdurar até o fim de suas vidas (e até mesmo depois). No entanto, essa história de amor não envolve paixão desenfreada, felicidade ou bondade: a relação de ambos é muito mais “vampiresca” do que romântica. É como se um extraísse da alma do outro todos os sentimentos que compartilhavam, bem como suas frustrações e desejos em relação à sociedade. Tomados de amargor, egoísmo e vingança, Cathy e Heathcliff formam uma espécie de encontro existencial de almas.
Assim como na resenha de Jane Eyre, recorri ao Livro da Literatura para conferir uma análise sucinta, porém aprofundada sobre a obra. São ensaios bem interessantes, que nos fazem entender tanto o contexto da época quanto da autora.
Segundo o livro,
“A história envolve vingança, dependência e paixão nostálgica, cujo centro é uma mansão chamada Wuthering Heights, erguida na paisagem rústica dos charcos de Yorkshire. Trata da vida do anti-herói, Heathcliff, um órfão tirado das ruas de Liverpool pela família Earnshaw. Heathcliff é educado junto de Catherine e Hindley, filhos dos Earnshaw. O livro descreve as complexas relações e disputas de poder estabelecidas ao longo dos anos, da perda de Heathcliff de sua cara-metade, Catherine, para Edgar Linton, e de sua vingança.”
Inclusive, a árvore genealógica é uma parte importante da história. A infância de Heathcliff e Catherine é quase que revivida por meio de seus filhos no futuro. A própria filha de Catherine também terá o nome da mãe, como demonstra a figura a seguir:
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É notável a presença de elementos de terror gótico no livro. Em vários momentos, Heathcliff é comparado a um ghoul, figura mítica da época que era associado com cemitérios e consumia carne humana. Ele também é chamado de vampiro, demônio na forma humana, entre outras criaturas folclóricas. Na verdade, era um homem sedento por vingança, que planejou odiar e tornar insuportável a vida de quem atormentou sua vida.
Na infância, Heathchliff era maltratado por todos na casa do Morro; somente Catherine o enxergava como um ser humano afetuoso. Por ser de origem cigana, todos o maldiziam, chamando-o de asqueroso, sujo, pobre e mal-educado. A violência, a humilhação, o abuso e a opressão são temas recorrentes no livro, tanto na figura de Heathcliff quanto nos outros personagens.
Outro aspecto interessante da narrativa é a alternância de vozes e a linguagem utilizada pela autora. Em diversos momentos, um personagem narra a história de outro personagem, algo pouco comum para a literatura da época.
“Em sua composição, o romance se utiliza de uma estrutura especial: uma história à parte dentro da qual a narrativa principal é apresentada. Essa estrutura consiste na história da visita de um cavalheiro chamado Lockwood a Wuthering Heights. Um encontro inesperado com o que ele acredita ser o fantasma de Catherine o traumatiza profundamente, e ele sabatina Nelly Dean, antiga serviçal de Catherine, sobre o passado da casa. A história recontada por Nelly traz revelações a Lockwood e ao leitor.”
Emily Brontë era uma pessoa reclusa, tímida e quase nunca saía de casa. Os charcos eram a paisagem que tinha familiaridade e, embora não conversasse com muitas pessoas de fora do seu círculo familiar, era uma ótima observadora.
A linguagem de O Morro dos Ventos Uivantes é simples e remete às pessoas do campo, aos pequenos fidalgos e à pouca população que vivia no interior de Yorkshire. Isso foi um pouco chocante aos vitorianos, que estavam acostumados com obras literárias voltadas para a nobreza. Temas de violência, palavras de baixo calão e personagens de má índole não agradavam àqueles que prezavam pelos “bons costumes”.
Eu sempre gostei muito de literatura inglesa e as irmãs Brontë são incríveis. Foram mulheres que não desistiram, seguiram até o fim com suas obras, tentaram várias vezes, foram recusadas pelos editores de livros, mas persistiram até conseguirem a almejada publicação.
Enviaram seus livros com pseudônimos masculinos, pois sabiam que seriam recusadas por serem mulheres e não queriam que fossem criticadas e analisadas apenas pelo seu gênero, algo bastante comum no século XIX, em que mulheres não tinham espaço para afazeres que não fossem domésticos.
Emily faleceu com apenas 30 anos, mas deixou uma obra-prima e um legado importante para a literatura mundial. Os aspectos psicológicos dos seus personagens, sua ousadia em abordar temas que até então eram tabus, as referências mitológicas, a força da narrativa e a originalidade de O Morro dos Ventos Uivantes a tornam uma escritora de primeira linha.
Não quis falar tanto sobre a história em si para não estragar a leitura. Apesar de ser uma trama conhecida, entrar em detalhes pode estragar a experiência de quem ainda não leu. Posso dizer que tenho grande carinho por esse livro e provavelmente vou reler de novo daqui uns anos. Assim como a Insustentável Leveza do Ser, são aquelas obras que guardam um lugar especial!
E você, já leu? Gosta? O que acha do livro? Me conta nos comentários!
NOTA:
Isabela Zamboni Moschin é jornalista, especialista em Língua Portuguesa e Literatura e mestre em Mídia e Tecnologia. Adora café, livros, séries e filmes. Atualmente, trabalha como Analista de Conteúdo na Toro Investimentos
Olá!
Eu li O Morro dos Ventos Uivantes quando tinha uns 13 anos. Eu não tinha maturidade suficiente para perceber todas as nuances do romance, mas fiquei com uma impressão forte, apesar de não lembrar do enredo. Lembro de uma breve sensação de sufoco; lembro do escuro, do isolamento e de vastos campos sinuosos e ermos. Lembro de uma árvore grande contra um céu enegrecido e de uma mansão, também.
Não lembrava, por exemplo, de atos de vingança, abuso e opressão, como tu citaste na resenha; somente de uma atmosfera opressora, que eu achava se dever ao cenário, e não aos personagens.
Pretendo ler novamente um dia desses. Acho que reler um livro em épocas diferentes da vida é quase como lê-lo pela primeira vez, pois tudo muda – a tua percepção, interpretação, os detalhes aos quais tu se atenta e como eles te afetam. Tu podes ler o mesmo livro mil vezes pela primeira vez.
Aliás, muito interessante o Livro da Literatura! Não conhecia.
Também tive a mesma impressão Carolina! Sufoco, escuro, isolamento… muita opressão. Mas hoje consigo enxergar elementos novos, ainda mais com ajuda de textos de apoio. Vale muito a pena! As sensações do cenário ainda permanecem, mas entender o contexto da obra facilita a compreensão dos detalhes.
Abraços!