Resenhas  |  29.07.2020

Resenha: Sobre os Ossos dos Mortos – Olga Tokarczuk

Quando comecei a ler Sobre os Ossos dos Mortos, de Olga Tokarczuk — vencedora do Nobel de Literatura — nem imaginava o que iria encontrar.

Mas o livro é envolvente desde o início, principalmente por misturar reflexões filosóficas, citações de William Blake, revelações astrológicas e questões ambientais.

A protagonista é Janina Dusheiko, uma mulher idosa, professora, que vive sozinha na Polônia numa região praticamente inóspita. Todos os dias ela lida com muito frio, neve, neblina, vento, chuva e condições climáticas que nem conseguimos imaginar aqui no Brasil.

Resenha: Sobre os Ossos dos Mortos - Olga Tokarczuk
FOTO: Isabela Zamboni/Resenhas à la Carte

A sinopse diz:

Subversivo, macabro e discutindo temas como mundo natural e civilização, este livro parte de uma história de crime e investigação convencional para se converter numa espécie de suspense existencial. “Uma das grandes vozes humanistas da Europa”, segundo o jornal The Guardian, Olga Tokarczuk oferece um romance instigante sobre temas como loucura, injustiça e direitos dos animais.

O livro é classificado como thriller, mas apesar de certos acontecimentos estranhos, considero muito mais uma obra sobre direitos dos animais e conexão do ser humano com a natureza. Acontecem algumas mortes em sequência no vilarejo em que Janina mora, mas ninguém sabe como ocorreram ou como estariam interligadas. Dusheiko, que adora fazer mapas astrais, acredita que todos os falecimentos têm uma razão bem clara: os animais estariam se vingando dos humanos.

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A caça é uma prática comum na região habitada pela protagonista, deixando-a incrédula e revoltada. Por conta disso, escreve cartas e faz reclamações à polícia regional, mas todos a tratam como “velha maluca”. A protagonista faz questão de tentar acabar com a caça esportiva, de ajudar os animais da região, mas nunca é levada a sério.

Resenha: Sobre os Ossos dos Mortos - Olga Tokarczuk
FOTO: Isabela Zamboni/Resenhas à la Carte

Janina é a narradora da história e intercala os acontecimentos sombrios com reflexões pessoais. Ela sofre com “moléstias”, dores que sente por todo o corpo, crises de mal-estar, mas nunca revela exatamente de qual doença.

Por conta da idade avançada, já não consegue realizar certas atividades, mas se mantém fiel a seus princípios do início ao fim do livro, principalmente para tentar mostrar até onde a injustiça e a crueldade humana podem chegar.

“Fico comovida ao ver imagens de satélite e da curvatura da Terra. É verdade, então, que vivemos na superfície de um globo, expostos ao olhar dos planetas, abandonados num enorme vazio, onde, após a queda, a luz se aglutinou em pequenos fragmentos e arrebentou? É verdade. Deveríamos ser recordados disso todos os dias, porque nos esquecemos. Iludimo-nos achando que somos livres, e que Deus nos perdoará. Pessoalmente, acho o contrário. Todas as boas ações transformadas em pequenas vibrações de fótons serão lançadas, enfim, para o cosmos como um filme ao qual até o fim do mundo será assistido pelos planetas.” (p.45)

Além da protagonista, outros personagens aparecem com frequência: Dísio, seu ex-aluno aficionado por traduzir os poemas de Blake; Esquisito, seu vizinho mais próximo; Boas Novas, a moça que trabalha num brechó; entre outros.

As mortes no vilarejo não são o tema principal da obra de Olga Tokarczuk. Enquanto eu lia, sentia muito mais que Sobre Os Ossos dos Mortos é uma narrativa ambientalista, sempre reverenciando as flores, plantas, insetos, raposas, pássaros, cachorros, entre outros animais que vivem na região polonesa.

Ao mesmo tempo, a protagonista faz questão de demonstrar sua indignação pelo povo polonês, por vezes comparando-os aos vizinhos tchecos. Há críticas sobre a hipocrisia dos caçadores, da comunidade do vilarejo, das atitudes das pessoas envolvidas nesses escândalos e, principalmente, sobre o descaso da polícia local.

“O ato de matar se tornou impune. E por ser impune, ninguém o percebe mais. E já que ninguém percebe, não existe. Quando passam pelas vitrines dos açougues onde grande pedaços vermelhos de corpos esquartejados estão pendurados em exposição, acham que aquilo é o quê? Não refletem sobre isso, não é? Ou quando pedem um espetinho ou um bife, o que recebem, então? Nada disso assusta mais. O assassinato passou a ser considerado algo normal, virou uma atividade banal.” (p.102)

A astrologia é muito presente durante todo o livro. Como a protagonista/narradora acredita bastante no movimento dos planetas e na influência destes em nossas vidas, quase tudo para Janina já é previsível. Inclusive, muitos a chamam de louca justamente por fazer mapas astrais das pessoas que mal conhece.

Apesar de ter aproveitado bastante a leitura, confesso que durante um momento a narrativa se tornou repetitiva. Por ser um livro reflexivo, a autora acaba divagando, trazendo boas discussões, mas sem empolgar muito. Em determinados momentos eu queria encerrar logo, mas a vantagem é que o livro tem 256 páginas, então não é um problema tão grande.

“Não suporto isso nas pessoas – essa ironia fria. É uma postura muito covarde; tudo pode ser ridicularizado, desrespeitado, não é preciso se envolver em nada ou estabelecer qualquer laço. Como um homem impotente que não consegue sentir prazer, mas fará de tudo para estragar o prazer dos outros.” (p.87)

O final foi muito bom. Achei que seria um daqueles livros com finais abertos ou sem resolução, mas as últimas páginas revelam todo o mistério. Gostei como a narrativa foi encerrada, com aquele toque de justiça bastante satisfatório.

Sobre os Ossos dos Mortos é uma boa leitura, muito cativante e mordaz. Se você gosta de livros misteriosos com toques de filosofia, provavelmente vai se encantar com a obra de Olga Tokarczuk.

NOTA:

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*Última atualização em 13 de março de 2024

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