Resenhas  |  15.09.2020

Resenha: Viagem ao redor do meu quarto – Xavier de Maistre

Nunca tinha ouvido falar em Viagem ao redor do meu quarto, de Xavier de Maistre. Aparentemente, o livro é um clássico francês que inspirou autores como Nietzsche e Machado de Assis. E foi agora durante a quarentena que a obra foi reeditada e relançada pela Editora 34, momento mais do que oportuno para fazer uma “viagem” sem sair de casa.

Resenha: Viagem ao redor do meu quarto - Xavier de Maistre
FOTO: Isabela Zamboni/Resenhas à la Carte

Em primeiro lugar, vamos à sinopse:

“Confinado em seu quarto após se envolver num imbroglio pré-carnavalesco (devidamente seguido de duelo), um oficial de família nobre vinga-se do aperto castrense e do despeito amoroso escrevendo um pequeno prodígio de leveza verbal e garantindo seu posto ― singular, vale dizer ― nas letras francesas. Parece bem contado demais para ser verdade, mas assim nasceu esta Viagem ao redor do meu quarto. Redigido na fortaleza de Turim e publicado pela primeira vez em 1795, o livrinho do tenente (e conde) Xavier de Maistre (1763-1852) é um exercício de risonha subversão de hierarquias, sejam elas militares, metafísicas ou literárias.

Zombando das circunstâncias, o autor transforma os quarenta e dois dias de castigo em ponto de partida para uma paródia dos relatos de viagem, das dissertações eruditas e dos tratados de filosofia, confrontados aqui ao zigue-zague dos caprichos, ao curso errático dos pensamentos ou ainda às inclinações incontornáveis do corpo.

Aos poucos, o sentimento e a fantasia vão tomando conta do cenário com uma irreverência que, sendo graciosa como só o século XVIII sabia ser, mostrou-se cheia de sugestões sediciosas para as gerações seguintes: Nietzsche foi leitor da Viagem, e Machado de Assis havia de saber o que estava fazendo quando inscreveu suas Memórias póstumas de Brás Cubas na linhagem da “forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre”.

O livro é curtinho e apresenta a perspectiva de um homem que passa mais de um mês confinado em seu quarto. O autor, que nasceu na Saboia, foi condenado a 42 dias de detenção por ter duelado com outro oficial. Ao passar esse tempo enclausurado num pequeno quarto em Turim, Maistre resolveu escrever essa breve narrativa, uma espécie de relato autobiográfico metafórico.

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Cada capítulo equivale a um dia, portanto, em 42 capítulos acompanhamos sutilezas como descrições dos móveis do quarto, o trajeto entre a cama e a escrivaninha e até mesmo a convivência do personagem com seu criado Joannetti e sua cachorrinha Rosina. Ao quebrar de vez os clichês dos livros de viagens, que geralmente oferecem amplas descrições de belos ambientes, Maistre traz uma nova dimensão aos objetos mais comuns do seu quarto. Durante várias passagens ele celebra sua poltrona, faz análises sobre o espelho, disserta sobre a importância de uma cama confortável e se gaba de sua pequena biblioteca.

No entanto, a graça do livro não está nas descrições cotidianas, mas nas reflexões filosóficas. A viagem ao redor do quarto não é apenas literal, mas também subjetiva. Maistre transforma o quarto em um espaço de contemplação, além de divagar sobre o mundo que ele enxerga pela janela.

Faz comparações no campo da arte, entre música e pintura; descreve uma vida psíquica, como se dentro de cada pessoa existissem dois seres: a “alma” e o “animal”, que ele também chama de “o outro”. Nesse caso, a alma seria o sentimento, a consciência, a razão e a moral; o animal contempla os instintos e os atos espontâneos de cada um, como se existisse uma pessoa à parte, que não pensa, só age.

Ao longo das páginas, o autor oferece pitadas de pessimismo mescladas a pequenos atos de espontaneidade. É uma grande viagem, tanto pela mente do personagem, como pelo espaço físico de Turim.

Resenha: Viagem ao redor do meu quarto - Xavier de Maistre
FOTO: Isabela Zamboni/Resenhas à la Carte

O livro tornou-se um best-seller em Paris em 1795, mas voltou com força total na pandemia. Segundo reportagem do O Globo, entre março e abril de 2020, a versão digital da primeira edição francesa, disponível no site da Bibliothèque Nationale de France, foi acessada 6700 vezes. Inclusive, chegou a ser um dos 200 documentos (entre 6 milhões) mais procurados do site.

Eu gostei de Viagem ao redor do meu quarto, apesar de não ter achado tão espetacular. Foi uma boa leitura, breve e intensa, que me fez refletir sobre alguns temas, especialmente no que concerne à arte e filosofia. Considero uma ótima opção para o momento atual, em que viajar fora do quarto não é uma opção nada recomendável.

NOTA:

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*Última atualização em 6 de março de 2024

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2 Comentários “Resenha: Viagem ao redor do meu quarto – Xavier de Maistre”
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  1. Ruy Perini      08 jul 2023 // 11H21

    Boa análise e resumo da obra, mas há um equívoco de datas. Se foi publicado em 1795, como se tornou best seller em 1794?

    • Isabela Zamboni      18 jul 2023 // 02H56

      Verdade, Ruy, há um pequeno equívoco, mas já foi arrumado! :D