*Última atualização: 9 de dezembro de 2025
Eu demorei muito tempo para começar a ler Saramago. Eu já tinha visto o filme do Ensaio Sobre a Cegueira, dirigido pelo Fernando Meirelles, há muito tempo (em 2008), mas confesso que achava não estar pronta para os livros do autor.
Aos 35 anos, em novembro deste ano, resolvi participar de um clube do livro com duas colegas e o escolhido da vez foi justamente essa obra, que me deixou embasbacada.
O “medo” que eu tinha de encarar a linguagem do autor foi embora e consegui engatar rapidamente na narrativa. Ainda bem, porque foi uma leitura que trouxe um misto de sentimentos que fazia tempo que eu não sentia. Isso até me reacendeu, digamos assim, a paixão pela literatura – a forma, o estilo e, claro, a complexidade da obra.
Dito isso, vamos à sinopse:
Um motorista parado no sinal se descobre subitamente cego. É o primeiro caso de uma “treva branca” que logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos se perceberão reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas.
O Ensaio sobre a cegueira é a fantasia de um autor que nos faz lembrar “a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”. José Saramago nos dá, aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos, como Franz Kafka e Elias Canetti.
Cada leitor viverá uma experiência imaginativa única. Num ponto onde se cruzam literatura e sabedoria, José Saramago nos obriga a parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu: “uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos“.

Imagine um dia, todos ao seu redor começam a ficar cegos, menos você. É o que acontece com a protagonista do livro, a única pessoa com visão em um mundo de cegos.
Na obra, nenhum personagem tem nome, só os conhecemos pela ocasião, ou por um apelido. Temos o médico oftalmologista e seus vários pacientes que se consultaram com ele; o primeiro cego, aquele que começou a enxergar tudo branco enquanto estava parado no semáforo; a mulher do médico, a nossa protagonista que enxerga; a mulher de óculos escuros, uma jovem atraente que estava tratando de uma conjuntivite; o menino estrábico, o atendente da farmácia, o velho com tapa-olhos e por aí vai.
E mesmo sem saber o nome de ninguém, facilmente conseguimos nos conectar com cada um dos personagens.
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Enquanto a epidemia da cegueira se espalha, o governo resolve colocar essas pessoas em quarentena. Acompanhamos então esses indivíduos que ficaram subitamente sem enxergar precisando se acostumar a viver em conjunto dentro de um prédio, um antigo hospital psiquiátrico. E claro que as condições, que a princípio pareciam ser razoáveis, aos poucos vão se tornando insalubres.
Eu não tenho outra forma de descrever esse livro: é necessário ter estômago, porque são cenas fortes. Saramago consegue provocar sensações de desgosto, tristeza, raiva, terror, tudo o que você possa imaginar.
Imagine o ser humano lutando para sobreviver em comunidade, sem entender o que está acontecendo e sem nenhum tipo de apoio. Pessoas passando fome, em condições deploráveis, precisando se locomover, tomar decisões, usar o banheiro, dormir, separar comida, tomar banho (quando tem água), racionar suprimentos, entre outras tantas situações desesperadoras.
A cegueira aqui não é especificamente da visão, mas uma analogia para a perda da ética e da moral humana. As pessoas estão cegas para a desigualdade, a violência, o egoísmo.
As instituições colapsaram e revelam sua arbitrariedade e fragilidade. O governo não ajuda em quase nada, isso quando não piora a situação, especialmente quando a quantidade de cegos não para de crescer.
A mulher do médico, a única que enxerga, sente que deve contar aos outros que consegue ver, mas é difícil tomar coragem. Ela testemunha a humilhação, a brutalidade, o lado mais asqueroso da humanidade, tentando sempre se manter forte, sobreviver ao pesadelo. Em terra de cego, quem tem olho é rei? Não nesse caso.
A linguagem usada por Saramago, com falas entre vírgulas, sem uso de travessão e pouca pontuação pode parecer estranha a princípio, mas logo me acostumei. Além disso, é português de Portugal, então algumas palavras podem ser difíceis de entender, mas nada que uma consulta rápida ao dicionário não resolva.
Ensaio sobre a Cegueira é um livro impactante. Em diversos momentos eu ficava impressionada com o que estava acontecendo e pensando que, provavelmente, aquilo aconteceria mesmo.
Não sou uma pessoa de muita fé na humanidade, tenho certeza que, em determinadas condições, o egoísmo falaria mais alto, bem como o instinto de sobrevivência. Sei que a compaixão e a vontade inerente de compartilhar/ajudar o próximo também existiria em muitas pessoas, mas a maldade está sempre ali cercando.
É só lembrar um pouco do contexto da pandemia de Covid-19. Pessoas que ignoravam o uso da máscara, se recusavam a tomar vacina, aglomeravam, faziam festas… sem contar o tanto de gente que começava a estocar papel higiênico, entre outros produtos no mercado. Foi um período horrível e desolador, em que presenciamos o egoísmo e a falta de empatia de diversas pessoas (inclusive governantes e instituições que, em tese, deveriam ter tomado decisões em prol do bem-estar da população, mas acabaram propagando mentiras).
Enfim, histórias como essa comovem e trazem grandes reflexões. É o tipo de leitura inesquecível, que entrou para a lista dos livros favoritos da vida. Não vou adentrar em detalhes para não estragar a experiência, mas saiba que você vai sentir muitas emoções durante a leitura.
E você, já leu Saramago? O que achou? Me conta nos comentários!
NOTA: ⭐⭐⭐⭐⭐


Isabela Zamboni Moschin é jornalista, especialista em Língua Portuguesa e Literatura e mestre em Mídia e Tecnologia. Adora café, livros, séries e filmes.




