*Atualizado em 8 de março de 2024
Depois do pedido do amigo Ivan Turguêniev, Tolstói voltou a escrever, criando a novela A Morte de Ivan Ilitch, um de seus livros mais famosos e louvado entre os fãs de literatura russa.
Para quem não gosta muito de spoiler, o livro já é diferente: sabemos, obviamente, que o protagonista morre. Mas esse não é, nem de longe, o ponto principal da história. A Morte de Ivan Ilitch é muito mais sobre como levamos a vida.
No apêndice do livro, Paulo Rónai questiona: “[…] como poderíamos ficar empolgados pela saúde de Ivan Ilitch? Com efeito, que interesse pode despertar esse frio e pedante burocrata, essa personagem sem personalidade, de uma vida banal, inteiramente presa a conveniências sociais, e cuja doença e morte são também as mais vulgares possíveis?“.
Vale ressaltar qual era o contexto pessoal que o autor vivia antes da escrita de A Morte de Ivan Ilitch: Tolstói havia abandonado a arte da escrita e renegado todas as suas obras antecessoras para se dedicar à vida espiritual. De família aristocrática, passou a ser considerado um “anarquista pacifista”.
A história começa com a notícia da morte de Ivan em seu trabalho; logo após, alguns companheiros aparecem na casa da viúva Prascóvia Fiódorovna para prestar suas condolências. A cena é cômica e parece muito ensaiada por todos os personagens. Como se o leitor estivesse assistindo a um teatro.
“A consciência do seu poderio, da possibilidade de aniquilar qualquer pessoa, a imponência, mesmo exterior, ao entrar no tribunal e nas entrevistas com os subalternos, o seu êxito diante dos superiores e dos que lhe eram subordinados e, sobretudo, a sua mestria em conduzir os casos criminais, que ele sentia, tudo isso alegrava-o e enchia-lhe a existência, a par das conversas com os amigos, os jantares e o uíste”. (P. 26)
A todo o instante, o autor “brinca” com essas cenas da vida cotidiana de Ivan Ilitch, cenas que mais parecem um passo a passo do que realmente a vida acontecendo. A aristocracia russa é fortemente criticada na obra e, aos poucos, através do protagonista, conhecemos seus anseios e medos.
Se para Ivan Ilitch sua vida sempre fora motivo de orgulho, por sua retidão e senso de justiça, ao leitor é apresentado um personagem fraco, de ideais desimportantes, com hábitos que reverberam apenas para seguir o que é esperado e imposto socialmente para alguém como ele.
“Eles jantam e dispersam-se, e Ivan Ilitch fica sozinho, com a consciência de que a sua vida está envenenada, que ela envenena a vida dos demais e que este veneno não se enfraquece, mas penetra cada vez mais todo o seu ser”. (P. 43)
Sua doença, por fim, aparece como protagonista forte de um enredo muito bem construído. Ela abre a ferida da vida insignificante de Ivan, que não sabe muito bem lidar com os questionamentos que passam a surgir – e cada vez ficam mais recorrentes – em sua cabeça.
“- O que você tem? Está pior?
– Sim.
Ela meneou a cabeça, ficou um pouco sentada.
– Sabe, Jean? Eu penso se não seria bom chamar o Lieschtchítzki.
Isto significava chamar o médico famoso e não poupar despesa. Ele sorriu venenoso e disse: “Não”. Ela ficou sentada mais algum tempo, aproximou-se dele e beijou-lhe a testa.
Ele a odiava de todo o coração nos momentos em que ela o beijava, e fez um esforço para não a repelir.
– Boa noite. Se Deus quiser, você vai dormir.
– Sim.” (P. 48).
Ao sentir seu corpo definhando por causa de um rim e um ceco deslocados, Ivan se fecha aos familiares, amigos e, principalmente, a esperança. Aos poucos o leitor percebe a interferências dos sentimentos nas ações e diálogos – intrínsecos ou externos – do doente.
“Chorava a sua impotência, a sua terrível solidão, a crueldade dos homens, a crueldade de Deus, a ausência de Deus”. (P. 66).
A Morte de Ivan Ilitch ainda nos faz refletir sobre as respostas que buscamos: seja em nós mesmos, nos outros, ou em Deus (como quer que você o conceba). E que muitas vezes não encontramos. Enfim, não espere nenhuma grande redenção ou descoberta do protagonista: da mesma forma que ele surge, se esvai, deixando como lição o “viver a sua própria vida, não a vida que esperam que você viva“.
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“Mas, por mais que pensasse, não encontrou resposta. E quando lhe vinha o pensamento, e vinha-lhe com frequência, de que tudo aquilo ocorria porque ele não vivera como se devia, lembrava no mesmo instante toda a correção da sua vida e repelia esse pensamento estranho”. (P. 68).
Uma das frases que mais me marcou foi a seguinte:
“O seu trabalho, o arranjo da sua vida, a sua família, e esses interesses da sociedade e do serviço, tudo isto podia ser outra coisa. Tentou defender tudo isto perante si. E de repente sentiu toda a fraqueza daquilo que defendia. E não havia o que defender”. (P. 72).
Paulo Rónai resume, dizendo: “[…] a narrativa de Tolstói nos parece a mais perfeita e a mais vigorosa, talvez por ter como argumento a própria morte sem rodeios nem disfarces, a transformação gradual de um homem vivo como todos nós em cadáver“.
Leitura recomendadíssima!
Nota:
Melissa Ladeia Schiewaldt é jornalista, especialista em Marketing Digital e tem MBA em Gestão de Projetos.
Ótima resenha.
O livro A morte de Ivan Ilich foi publicado em 1886, mas sua mensagem chega até os dias de hoje. Ivan sentia uma necessidade profunda de atenção e viveu sua vida em busca de superficialidades como forma de preencher de alguma forma o vazio que preenchia o seu coração. Viveu segundo o que fosse ditado pela sociedade, e se vangloriava quando era aceito pelos seus pares. Era cínico e desapaixonado. Escolheu sua faculdade e seu casamento como formas de agradar seus companheiros e ganhar destaque social.
Mas, de que adiantou a Ivan juntar tudo aquilo se não pôde levar nada quando lhe veio a morte?
O livro é sensacional!