*Atualizado em 7 de março de 2024
Enterre Seus Mortos, de Ana Paula Maia, poderia ser descrito da seguinte forma: Edgar Wilson. Café. Estradas. Explosões. Animais mortos. Dias cinzas. Mas, vai muito além disso.
Publicado em 2018 pela Companhia das Letras, o livro foi vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2019 e, por isso, chamou minha atenção. Resolvi começar Enterre Seus Mortos sem saber muito sobre o enredo, apenas com o que a 4ª capa informa:
“A profissão de removedor de animais mortos não é para qualquer um. Apenas alguém como Edgar Wilson, o herói deste desolador romance kafkiano, poderia se prestar à tarefa de recolher das estradas as carcaças que obstruem o caminho dos veículos. Acompanhado do colega Tomás, um padre excomungado, Edgar tem seu cotidiano abalado quando encontra o corpo de uma mulher enforcada.
Na tentativa de devolver o mundo ao curso da normalidade – palavra fugidia no universo construído magistralmente por Ana Paula Maia -, os dois conhecerão o destino de seus semelhantes numa realidade em que o animal muitas vezes tem melhor sorte que o homem.”
Edgar Wilson, nosso protagonista, é descrito como “um homem simples que executa tarefas“. Durante o decorrer da história, são mostrados pouquíssimos traços de sua personalidade: apenas observamos o homem cuidar de suas tarefas rotineiras, trocar algumas palavras com seus companheiros de trabalho e o “loop” de seus dias.
“É meio filho de Deus, meio filho da, puta, assim como a maioria de nós.” (p. 21)
Não sabemos suas origens, suas ambições (talvez nem existam), o nome da cidade ou do local de trabalho. Nada é detalhado, porém, não incomoda e não é uma falha da autora. Nos transmite a ideia de que pode ser qualquer lugar e lugar nenhum. Um lugar esquecido por Deus e pelo Diabo.
Edgar está acostumado a “dar um fim” nos cadáveres de animais mortos, porém, ao se deparar com o corpo de uma mulher enforcada, acompanhado de Tomás (o padre excomungado), o protagonista acaba se solidarizando e inicia uma luta quase quixotesca para dar um fim digno ao corpo da desconhecida.
“Tomás tem esse poder confortador diante da morte, diante das piores notícias, e sabe disso. Não é um homem santo de paróquia, mas um homem de dores, um santo das estradas, disponível para Deus e para os homens, servindo da maneira que melhor sabe: vivendo no encalço da morte.” (p. 88)
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Ana Paula Maia, apesar de criar uma obra ficcional, faz um retrato realista, como poucos autores conseguem. Algumas cenas descritas em um IML, inclusive, chocam pelo peso, pelo descaso, e pelo paralelo que podemos fazer com a realidade que o mundo enfrenta atualmente devido a pandemia da Covid-19.
Muitas pessoas gostam de livros que têm o final “em aberto”, de uma forma que o leitor possa interpretá-lo da maneira que quiser. Já eu, prefiro quando realmente há um ponto final na história – ou, pelo menos, no recorte que estamos lendo – pois sinto que, de fato, “terminei” de ler algo (e não fico pensando em mil finais diferentes para o que acabei de ler, haha). Mas é apenas um gosto pessoal… Com Enterre Seus Mortos, acabei ficando levemente com a percepção de que algum detalhe poderia amarrar mais a conclusão da história.
NOTA:
Melissa Ladeia Schiewaldt é jornalista, especialista em Marketing Digital e tem MBA em Gestão de Projetos.