*Atualizado em 6 de março de 2024
Flores para Algernon foi uma montanha-russa de emoções. No começo, simpatizei muito com o personagem de Charlie Gordon. No meio do livro, porém, ele se tornou um homem enfadonho – mas com suas razões.
Confira a sinopse retirada do Skoob:
“Aos 32 anos, Charlie trabalha na padaria Donners, ganha 11 dólares por semana e tem 68 de QI. Porém, uma cirurgia revolucionária promete aumentar a sua inteligência, considerada gravemente baixa. O problema? Enxergar o mundo com outros olhos e mente pode trazer sacrifícios para a sua própria realidade. E resta saber se Charlie Gordon está disposto a fazê-los.”
Imaginei que o livro fosse mais voltado para a ficção científica, falando sobre os aspectos da tal cirurgia de aumento de QI, porém, o livro traz esses temas como um pano de fundo para as reais questões que são abordadas: sentimentos e emoções.
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Como dito na sinopse, em Flores para Algernon acompanhamos a história de Charlie Gordon, um homem com pouco mais de 30 anos, QI de cerca de 60, e que trabalha em uma padaria realizando tarefas simples como limpeza e entregas.
“Sobre o que pensam ou si lembram as peçoas intelijentes. Coizas chiques aposto. Eu queria já saber umas coizas chiques.”
Charlie frequenta uma “escola para adultos retardados” (durante a resenha irei utilizar este termo, pois é como está escrito no livro, apesar de achá-lo bem ofensivo). Seu maior sonho é ser inteligente, para que assim conquiste mais amigos, o amor de sua família de volta e, quem sabe, uma namoradinha.
Ele se submete a uma cirurgia inovadora, que promete aumentar o QI da “cobaia” três vezes mais, combinando as mais variadas e atualizadas técnicas da neurociência.
Após a cirurgia exitosa, Charlie precisa começar a lidar com suas novas habilidades, ao mesmo tempo em que – paralelamente – consegue aprender a interpretar o mundo a sua volta, seus sentimentos e a forma que as pessoas lidam com ele.
“Você está começando a ver o que está por trás da superfície das coisas.”
Aqui, o autor traz um questionamento importante: a maneira que a sociedade enxerga e lida com pessoas com deficiência intelectual. E, mesmo em uma ficção, é triste e revoltante. Aos poucos, Charlie vai percebendo que a maioria de seus amigos do trabalho, por exemplo, não riam COM ele, mas sim riam DELE.
Como o próprio protagonista afirma: “Eu nunca soube antes que Joe e Frank e os outros só gostavam de mim por perto para rir de mim […] acho que é uma coisa boa descobrir como todo mundo ri de mim. Pensei muito sobre isso. É porque sou tão estúpido que nem sei quando estou fazendo algo estúpido. As pessoas acham engraçado quando alguém estúpido não consegue fazer as coisas do mesmo jeito que elas.”
A estranha e marcante dinâmica familiar de Charlie é um ponto crítico na vida do protagonista, porém, apesar da conclusão dada pelo autor, achei esse ponto um pouco solto na história. Afinal, muitos dos traumas desenvolvidos por Charlie Gordon vieram de sua infância.
“Mas acho que nunca parei de querer ser o garotinho inteligente que ela queria que eu fosse, para que me amasse.”
A grande batalha de Charlie é interna: seu QI está elevadíssimo, mas as interações sociais – por mais simples que sejam – se tornam difíceis para alguém que até pouco tempo atrás não era capaz de discernir ironia, raiva e tristeza de forma completa. E esse crescimento emocional forçado leva Charlie a explosões de sentimentos.
“Que fiquem no escuro por um tempo; eu fiquei no escuro por mais de trinta anos.”
Um dos grandes destaques do livro é a escrita de Daniel Keyes. Como vocês puderam ver em algumas citações aqui da resenha, ao mesmo tempo em que Charlie evolui seu QI, a escrita do personagem vai ficando mais clara. Os erros ortográficos dos relatórios iniciais (“intelijente”, “coizas”, “coelio”) são, aos poucos, consertados no decorrer do livro. Sem dúvidas, se colocar no lugar de um personagem como Charlie Gordon é um exercício de empatia que o autor teve que desenvolver em Flores para Algernon.
O livro é tocante sem cair em clichês – como Extraordinário, onde tudo acaba bem, como num passe de mágica. Emociona, diverte e nos apresenta a complexidade das relações humanas através da ótica de alguém que, desde a infância, é excluído socialmente simplesmente por ser quem e como é.
NOTA:
Melissa Ladeia Schiewaldt é jornalista, especialista em Marketing Digital e tem MBA em Gestão de Projetos.