Resenhas  |  14.01.2019

Resenha: Amar se Aprende Amando – Carlos Drummond de Andrade

*Atualizado em 18 de março de 2024

Amar se Aprende Amando foi o último livro que li em 2018 e, curiosamente, o último livro publicado em vida pelo autor Carlos Drummond de Andrade.

Resenha: Amar se Aprende Amando - Carlos Drummond de Andrade
FOTO: Melissa Marques | Resenhas à la Carte

A obra tem como subtítulo a frase “poesia de convívio e de humor”. O livro é dividido em três grandes partes: 1) CARTA DE GUIA (?) DE AMANTES, 2) O CONVÍVIO IDEAL e 3) ALEGRIAS E PENAS POR AÍ.

A obra aborda – além do amor romântico e do sentimento amoroso sublime – as dimensões práticas e políticas do sentimento na vida cotidiana.

Amar se Aprende Amando mescla muito bem a emoção, o momento político e experiências do autor. Alguns versos, bastante pessoais, me chamaram a atenção.

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Resenha: Amar se Aprende Amando - Carlos Drummond de Andrade

ODYLO, NA MANHÃ

Manhã de domingo. Odylo nos deixa.
Domingo, a pausa de Deus, logo de manhã,
à hora singela do café.
Domingo, tempo de paz. Odylo é pacífico.
Uma dor antiga, instalada em seu flanco esquerdo
(para não dizer que na alma se instalou),
acompanha com fidelidade os seus passos
e não o torna amargo ou revoltado.
De fala mansa, Odylo,
e doce coração, convive com ela
como o irmão conversa com o irmão,
e o amigo no amigo se contempla: sem palavras.
Eis que recebe o súbito chamado.
Odylo, poeta e repórter, acontece-lhe isto:
Deus é que vai entrevistá-lo
e mostrar-lhe face a face
a poesia sem versos do Inefável.
Odylo parte na manhã de domingo,
transportado – não vi, que meus olhos precários
se ofuscam à visão dessas coisas altíssimas -,
transportado por teorias de anjos exatamente da cor e do talhe
dos pintados por Nazareth, pintora de anjos, crianças e sonhos.
A dor antiga o abandona para ceder espaço
à Esperança recompensada.
Odylo sobe e logo à porta de Deus vai encontrar
seus filhos que chegaram tão cedo. E amigos e companheiros
(seu padrinho Manuel, entre muitos).
Não vi, que essas altíssimas coisas fogem à minha tosca percepção,
mas facilmente um cristão imagina
o sorriso de Odylo, respondendo
domingo de manhã
ao sorriso de Deus.

21/08/1979

p. 63

Além disso, pude perceber que, infelizmente, certos detalhes do momento político descrito por Drummond em Amar se Aprende Amando estão se repetindo… É amedrontador e, ao mesmo tempo, frustrante entender o quanto a história pode se tornar algo cíclico.

” RELATÓRIO DE MAIO

[…] o delegado saiu prendendo
cortando cabelo
mandando dormir mais cedo
naquele maio
a Bolsa fechou por excesso de instruções
que mandavam fazer o oposto do contrário
ou
o contrário do contrário do contrário

[…]

o Ibope consolava o Governo
meu querido
saiba que tem havido outros piores
mas não pergunte mais que eu não respondo

p. 71

O sentimento amoroso que marca a obra do início ao fim acaba se tornando também o “filtro” usado pelo poeta para lidar com a realidade enfrentada no Brasil dos anos 60 aos anos 80: o amadurecimento do amor, bem como da obra, com o passar do tempo, é notório.

Amar se Aprende Amando conta ainda com posfácio de Fábio Cesar Alves, denominado “Amor em tempos sombrios”, além de algumas leituras recomendadas, cronologia – de 1902 até 1987 – fotos de Carlos Drummond de Andrade e índice de título e primeiros versos, que ajudam ainda mais a entender a obra Drummondiana.

Nota

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