Resenhas  |  27.03.2019

Resenha: A Viagem do Elefante – José Saramago

*Atualizado em 14 de março de 2024

Depois de ir à exposição Saramago: os pontos e a vista, no Farol Santander, fiquei doida para ler um livro do autor. Eu já havia ficado interessada após assistir filmes como Ensaio Sobre a Cegueira e O Homem Duplicado, mas não havia escolhido um livro especial para a minha “iniciação” na leitura do autor português.

Me lembro que, dos livros abordados na exposição, A Viagem do Elefante foi um dos que mais me chamou a atenção.

Resenha: A Viagem do Elefante - José Saramago
FOTO: Melissa Marques | Resenhas à la Carte

“Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.
O Livros dos Itinerários”

A obra conta a história do elefante Salomão e da viagem feita pelo animal e seus cuidadores para chegar até a Áustria e ser dado como presente de casamento ao arquiduque Maximiliano.

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Resenha: A Viagem do Elefante - José Saramago

Confira a sinopse:

“Por muito incongruente que possa parecer…”, assim começa o novo romance – ou conto, como ele prefere chamá-lo – de José Saramago, sobre a insólita viagem de um elefante chamado Salomão, que no século XVI cruzou metade da Europa, de Lisboa a Viena, por extravagâncias de um rei e um arquiduque. O episódio é verdadeiro. Dom João III, rei de Portugal e Algarves, casado com dona Catarina d’Áustria, resolveu numa bela noite de 1551 oferecer ao arquiduque austríaco Maximiliano II, genro do imperador Carlos Quinto, nada menos que um elefante. O animal viera de Goa junto com seu tratador, algum tempo antes. De início, o exotismo de um paquiderme de três metros de altura e pesando quatro toneladas, bebendo diariamente duzentos litros de água e outros tantos quilos de forragem, deslumbrara os portugueses, mas agora Salomão não passava de um elefante fedorento e sujo, mantido num cercado nos arredores de Lisboa. Até que surge a ideia mirabolante de presenteá-lo ao arquiduque, então regente da Espanha e morando no palácio do sogro em Valladolid. Esse fato histórico é o ponto de partida para José Saramago criar, com sua prodigiosa imaginação, uma ficção em que se encontram pelos caminhos da Europa personagens reais de sangue azul, chefes de exército que quase chegam às vias de fato, padres que querem exorcizar Salomão ou lhe pedir um milagre. Depois de percorrer Portugal, Espanha e Itália, a caravana chega aos estreitos desfiladeiros dos Alpes, que Salomão enfrenta impávido. A viagem do elefante, primeiro livro de José Saramago depois do relato autobiográfico Pequenas memórias (2006), é uma ideia que ele elaborava há mais de dez anos, desde que, numa viagem a Salzburgo, na Áustria, entrou por acaso num restaurante chamado O Elefante. Com sua finíssima ironia e muito humor, sua prosa que destila poesia, Saramago reconstrói essa epopeia de fundo histórico e dela se vale para fazer considerações sobre a natureza humana e, também, elefantina. Impelido a cruzar meia Europa por conta dos caprichos de um rei e de um arquiduque, Salomão não decepcionou as cabeças coroadas. Prova de que, remata o autor, sempre se chega aonde se tem de chegar.

No vídeo abaixo, o autor aborda um pouco mais sobre a história que deu origem ao livro A Viagem do Elefante (com spoilers).

[…] aquelas patas que tinham andado milhares de quilômetros até chegar a Viena, no fundo eram uma metáfora da inutilidade da vida. Não conseguimos fazer dela mais do que o pouco que ela é. […]“, afirma o autor.

À primeira vista, a escrita de Saramago pode gerar estranhamento: ele não utiliza “corretamente” alguns recursos linguísticos, principalmente as pontuações. Porém, esse também pode ser considerado um dos trunfos do autor: ele brinca com as palavras, e aproxima a oralidade da escrita. Ele se apoia na cultura popular e na linguagem coloquial para criar seus universos.

Nem tudo são letras no mundo, meu senhor, ir visitar o elefante salomão neste dia é, como talvez venha a dizer no futuro, um acto poético, […]

Se o objectivo é santo, santos serão também os meios de que se servir, (Pág. 17)

Sobre o estilo do autor português, vale ainda destacar:

  • A ausência de pontuação convencional, sendo a vírgula o sinal de pontuação de maior relevância, marcando as intervenções das personagens, o ritmo e as pausas;
  • Mistura de discursos;
  • Coexistência de segmentos narrativos e descritivos sem delimitação clara;
  • Intervenção frequente do narrador através de comentários, o que dificulta a identificação das vozes;
  • O uso subversivo da maiúscula no interior das frases.

A narração se assemelha às conversas que temos no dia a dia, às contações de causos, às conversas entre amigos, o que gera extrema cumplicidade entre narrador, personagens e leitor. Me senti, realmente, dentro da história como poucos livros me fizeram sentir.

Seu estilo único une descrições detalhadas, humor nas entrelinhas, e um retrato bastante fidedigno da humanidade. Seja em personagens comuns, seja no paquiderme Salomão que, muitas vezes, acaba surpreendendo o leitor.

“Dando tempo ao tempo, todas as coisas do universo acabarão por se encaixar umas nas outras.” (Pág. 19)

Resenha: A Viagem do Elefante - José Saramago
FOTO: Melissa Marques | Resenhas à la Carte

A epopeia que leva o Elefante e sua trupe às mais variadas situações – cômicas, trágicas, épicas, fantasiosas… – acaba sendo um ótimo paralelo com a vida.

Vale lembrar que A Viagem do Elefante foi a primeira obra escrita por Saramago depois de sofrer com um grave problema de saúde: “É sabido que passei por uma doença muito grave. Tive que interromper a escrita do livro [A Viagem do Elefante]. Internaram-me num hospital, mas vinte e quatro horas depois de regressar a casa já estava sentado a escrever. Entre finais de Fevereiro e Agosto, não parei. Pode concluir-se que retomei os meus hábitos de sempre: disciplina, trabalho regular e um pouco de obstinação“. (Fonte: Fundação Saramago). Fato que fez o autor pensar – ainda mais – em questões existenciais, e colocá-las de forma primorosa no texto.

O fim de Salomão é bastante conhecido, porém, A Viagem do Elefante trata – literalmente – muito mais do caminho percorrido do que o fim em si.

Assim como na vida: todos sabemos o que acontecerá no final, mas, o que realmente importa é o que fazemos durante o tempo que temos por aqui: como aproveitamos, onde depositamos nossas esperanças e amores, o bem que fazemos ao próximo… Enfim! Uma leitura ao mesmo tempo leve e reflexiva.

“[…] a vida ri-se das previsões e põe palavras onde imaginámos silêncios, e súbitos regressos quando pensámos que não voltaríamos a encontrar-nos”. (Pág. 32)

NOTA

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