*Atualizado em 6 de março de 2024
Comecei a ler A Sucessora, de Carolina Nabuco, depois de ficar sabendo da polêmica de plágio envolvendo sua obra.
Segundo a própria sinopse do livro, “Carolina Nabuco foi uma das primeiras mulheres brasileiras a atuar como escritora. A Sucessora foi publicado pela primeira vez em 1934. Em 1941, com o Oscar de melhor filme para Rebecca – A Mulher Inesquecível, do diretor Alfred Hitchcock, um debate internacional teve início: o romance que inspirou o filme, da inglesa Daphne du Maurier, publicado em 1938, teria sido plágio de A Sucessora. A semelhança entre as obras foi reconhecida por críticos literários da época, e não se trata de mera coincidência: antes da publicação, Carolina enviou ao agente literário da escritora inglesa os originais de seu livro, traduzidos por ela mesma. Nabuco, contudo, preferiu evitar conflitos judiciais.“
Eu já tinha ouvido falar bastante do livro Rebecca e do filme de Hitchcock. Quando vi que teria sido plagiado de uma brasileira, resolvi ler e conferir se a história seria interessante. Foi uma ótima leitura, cujo destaque reside no conflito psicológico da protagonista.
Veja a sinopse:
“A sucessora une prosa intimista e psicológica ao dar voz a uma protagonista feminina: Marina, jovem criada na fazenda que se casa com o viúvo Roberto Steen. Ao mudar-se para a mansão dele, no Rio de Janeiro, Marina se depara com o retrato de Alice, a falecida esposa, e passa a sentir a presença dela. Num ambiente em que muitos a comparam à primeira Madame Steen, seu amor por Roberto resistirá ao fantasma de uma mulher tão especial?”
Marina é uma moça do campo, que sente dificuldade ao mudar-se para o Rio de Janeiro e participar dos eventos da alta sociedade com o marido Roberto. Chamados “novos ricos”, os amigos de Roberto são esnobes, vivem de acordo com os costumes europeus (principalmente franceses) e comparam a protagonista com a falecida esposa, a incrível Alice.
“Mas Marina vinha de outro meio. O Brasil dela era o velho Brasil agreste dos antepassados fazendeiros. Roberto tinha sangue estrangeiro, tinha avós vindos da Flandres, emigrantes de terceira classe. Os de Marina haviam sido por muitas gerações proprietários de Santa Rosa, a fazenda mais antiga do Estado do Rio.”
Assim que coloca os pés em seu novo lar, após a lua de mel, Marina se depara com o retrato de Alice, uma mulher altiva, bonita e muito amada por todos. Roberto, viúvo, diz que vai retirar o retrato, pintado por um famoso artista, para não incomodar Marina. No entanto, tanto os empregados da casa, como sua cunhada, Germana, fazem questão de compará-la com Alice em todos os aspectos possíveis, mantendo o retrato quase como uma figura viva dentro da casa. Alice era uma mulher incrível, com inúmeros talentos, belezas, gentilezas, eloquências e uma presença de espírito incomparável.
“Sua alegria fugiu logo. Lembrou-se de uma frase que ouvira sobre Alice — nunca esquecia nada que lhe dissesse respeito: ‘Era uma criatura de um magnetismo extraordinário’.”
Aos poucos, Marina começa a se sentir sufocada no novo ambiente e não suporta as comparações com a falecida. Vai criando uma relação de ódio/admiração com Alice que, aos poucos, começa a lhe tirar o sono e criar situações insuportáveis na sua vida. A jovem era bonita também, com alegria de viver, apaixonada por livros e pela natureza. Morria de saudade da mãe e da fazenda de Santa Rosa, mas estava aprisionada numa casa que não era dela, numa vida que ela não desejava. A única coisa que ainda lhe movia era o amor pelo marido, Roberto, que parecia não perceber seu incômodo.
“Ela pensou com melancolia que o amor, por mais que unisse duas criaturas, não tinha o poder de igualar seus pontos de vista nem de alterar a influência de hereditariedades opostas.
[…]
Marina acreditava que suas ideias e seus sentimentos eram imutáveis e que seus livros os refletiam.”
Eu fiquei com muita aflição lendo esse livro, sentindo com Marina seus incômodos, a raiva de gente mesquinha e nariz empinado da alta sociedade carioca. Muitas afetações, falsidade, atividades fúteis e desinteressantes. Marina foi criada com seu primo e ex-noivo Miguel, um jornalista que adorava livros e a incentivou desde pequena a se apaixonar pela literatura.
Não conseguia acreditar que manter o marido feliz o tempo todo e cuidar de uma casa seria o suficiente para uma vida plena. Contudo, havia aceitado casar-se e desejara Roberto intensamente. Agora, teria que vencer seus desânimos para tentar construir sua individualidade. Tudo seria suportável, se não fosse por Alice, que estava ali o tempo todo para vigiá-la.
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“Sempre sentia inveja de gente normal, de gente como Roberto, sem sensibilidades excessivas, sem nervosismos, capaz de viver no presente, de absorver-se no cotidianismo da vida. Sentia uma atração especial por essas naturezas práticas, possuidoras de um dom tão simples e tão comum, mas que lhe faltava. Com ela, a imaginação estava sempre a se interpor diante da vida real, a afastar dos seus sentidos o momento presente, criando uma sombra, ou um receio, ou um remorso.”
Marina luta contra o invisível, se sentindo diminuída pela imagem da mulher perfeita. Com o tempo, sabe que precisa se libertar dos fantasmas da falecida, quebrar as correntes daquela dominação fantasmagórica.
Em uma narrativa envolvente, Carolina Nabuco sabe criar um clima de sufoco, de desalento, fazendo até o leitor se sentir incomodado com aquela situação horripilante.
“A influência do retrato é que não tinha precedente. Nenhuma obsessão jamais se envolvera deste terror. Nenhuma tivera a realidade dessa presença enervante que lhe enchia a casa e encontrava expressão num retrato… a realidade dessa inimizade intangível, dessa transmissão clara de recados… dessa vida de uma morta que, às vezes, lhe dava a impressão de que ela, Marina, era a sombra, tão real era Alice.”
O livro ainda trata de outros aspectos que vão além dos transtornos psicológicos de Marina. Nabuco mostra o embate entre Marina, uma moça que sente orgulho de morar no Brasil, que cresceu na fazenda, com Roberto, filho de industrial, que acredita no “Novo Brasil”, um país industrial, mas com toques estrangeiros.
O Rio de Janeiro era sua paixão: o desenvolvimento e crescimento econômico da cidade, os bailes, os jantares, a educação europeia. Já Marina fazia questão de dizer que era brasileira, pois era na fazenda que sua felicidade resplandecia.
Nabuco faz questão de mostrar um Brasil em transformação, um país que acabara de sair do regime de escravidão. Em diversos momentos, lemos passagens sobre os conflitos de Marina com a mãe, que era a favor da escravidão, em contraponto às suas próprias ideias abolicionistas. Inclusive, o próprio pai da autora, Joaquim Nabuco, era um político abolicionista, causando forte influência na obra da autora.
A Sucessora foi tão comentado na época que chegou a ser adaptado para telenovela por Manoel Carlos, e foi exibida pela Rede Globo em 1978/1979.
Se você gosta de romances psicológicos, pode gostar bastante de A Sucessora. Agora resta ler Rebecca para saber se a comparação é válida!
NOTA:
Isabela Zamboni Moschin é jornalista, especialista em Língua Portuguesa e Literatura e mestre em Mídia e Tecnologia. Adora café, livros, séries e filmes. Atualmente, trabalha como Analista de Conteúdo na Toro Investimentos