*Atualizado em 8 de março de 2024
O livro Mulheres e Ficção, de Virginia Woolf, trata-se de uma coletânea de ensaios da escritora, com diversos textos sobre o papel das mulheres na literatura através dos séculos, especialmente na literatura inglesa. Nas palavras de Woolf, “o título deste artigo pode ser lido de dois modos: em alusão as mulheres e à ficção que elas escrevem, ou às mulheres e a ficção que é escrita sobre elas”.
O livro é dividido em 9 artigos:
- Mulheres e Ficção
- Ficção Moderna
- O leitor comum
- Jane Austen
- Jane Eyre e O Morro dos Ventos Uivantes
- Como se deve ler um livro?
- Geraldine e Jane
- “Eu sou Christina Rossetti”
- Pensamentos de paz durante um ataque aéreo
Geraldine e Jane e “Eu Sou Christina Rossetti” são resenhas de Woolf sobre as obras de outras escritoras, portanto, se você não está familiarizado com a obra destas, a leitura não será tão simples.
Porém, o ensaio que dá nome ao livro, Mulheres e Ficção, é um dos mais interessantes, assim como Jane Austen e Jane Eyre e O Morro dos Ventos Uivantes. Virginia Woolf discute o motivo de as mulheres terem sido deixadas de lado da literatura por tanto tempo, mesmo tendo contribuído desde seiscentos anos antes de Cristo. A história da literatura inglesa é formada por homens, e somente a partir do século XIX as mulheres começam a ganhar destaque, mesmo que limitadas à vida dentro da sala de casa.
“Mesmo no século XIX, uma mulher vivia quase exclusivamente em sua casa e em suas emoções. E esses romances do século XIX, embora sejam tão extraordinários, foram profundamente marcados pelo fato de as mulheres que os escreveram serem excluídas, por seu sexo, de certos tipos de experiência”. (p.12)
Muitas pessoas criticam Jane Austen por seus romances, por acharem as narrativas da escritora fadadas à mesma temática: vida em sociedade, casamento, conflitos familiares. Mas afinal, o que uma mulher do século XIX, filha de um pastor, que vivia no campo, conseguiria retratar com fidelidade? As mulheres não podiam se aventurar, viver experiências incríveis que traziam fertilidade ao campo da imaginação. Seu mundo estava fadado ao que acontecia dentro de casa: eram esposas, filhas, irmãs, não trabalhavam, não tinham como desvencilhar-se de uma sociedade patriarcal. Apesar de já terem mais liberdade, ainda assim, precisavam limitar-se ao que conheciam. Contudo, mesmo com tantas limitações, escreveram obras incríveis e de altíssima qualidade, que perduram até hoje.
“[…] Orgulho e Preconceito, O Morro dos Ventos Uivantes, Villette e Middlemarch foram escritos por mulheres forçosamente privadas de toda experiência que não fosse a passível de ser encontrada numa sala de visitas da classe média. Nenhuma experiência em primeira mão da guerra, da vida no mar, da política ou dos negócios era possível para elas.” (p.12-13)
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Outro ponto interessante levantado por Woolf é como sabemos pouco a respeito das mulheres de nossos antepassados. Só lembramos de avós, bisavós, pelos seus feitos maternais, características físicas ou tradição. “Cozinhava bem”, “era linda”, “casou-se com fulano”. Como aponta a autora, “nada sabemos sobre elas, a não ser seus nomes, as datas de seus casamentos e o número de filhos que tiveram” (p.10).
Nos outros ensaios do livro, a autora ressalta a genialidade da escrita de Jane Austen e Emily Brontë, enquanto faz críticas ao romance Jane Eyre, de Charlotte Brontë. Woolf é fã declarada da ironia e vivacidade de Austen, bem como da substância dos personagens de Emily em O Morro. Contudo, acredita que Charlotte não tenha a mesma força literária que sua irmã, trazendo um tom ‘egoísta’ à Jane Eyre.
Ler as resenhas e críticas literárias de Virginia Woolf é um aprendizado. Se algum dia eu conseguisse enxergar o que ela consegue em termos de literatura, nem consigo descrever o quanto ficaria feliz. E o mais interessante é que ela comenta sobre isso no ensaio Como se deve ler um livro?. Trazer novas perspectivas sobre um texto, conseguir enxergar além das palavras, visualizar a intenção do escritor, fazer comparativos com outras obras, discutir os subtextos das narrativas, ir além do romance até adentrar no mundo da poesia, são algumas das poucas particularidades que podem ser extraídas de qualquer obra literária. Contudo, a autora ressalta o principal em termos de amor à leitura:
“Mas quem lê tendo em vista um fim, por mais desejável que ele seja? Não há certas atividades que exercemos por serem boas em si, certos prazeres que são definitivos? E o nosso não está entre eles? Eu pelo menos já sonhei às vezes que, quando raiar o dia do Juízo Final e os grandes conquistadores, juristas e estadistas vierem receber suas recompensas – suas coroas, seus lauréis, seus nomes indelevelmente gravados em mármore imperecível -, o Todo Poderoso há de se virar para São Pedro e dizer, não sem certa inveja, quando vir que chegamos sobraçando livros: ‘Esses aí, olhe só, não precisam de recompensa. Não temos nada para dar-lhes aqui. Eles adoravam ler.'” (p.67)
NOTA:
Isabela Zamboni Moschin é jornalista, especialista em Língua Portuguesa e Literatura e mestre em Mídia e Tecnologia. Adora café, livros, séries e filmes. Atualmente, trabalha como Analista de Conteúdo na Toro Investimentos