*Atualizado em 7 de março de 2024
Maternidade, de Sheila Heti, é um livro que divide opiniões. Quando terminei a leitura, fiquei com um misto de sentimentos. Será que eu gostei porque o livro apresenta questionamentos que passam pela minha cabeça? Será que realmente é tão bom quanto a crítica avaliou?
Ou será que não passam de divagações cansativas? Será que não é um livro First World Problems? Ou devo tratá-lo como uma espécie de diário de uma mulher que busca incessantemente uma resposta para ter filhos ou não? Difícil dizer.
Antes de começar os apontamentos, vamos à sinopse:
Em Maternidade, Sheila Heti reflete sobre os ganhos e as perdas para uma mulher que decide se tornar mãe, tratando a decisão que mais traz consequências na vida adulta com a franqueza, a originalidade e o humor que lhe renderam reconhecimento internacional por seu livro anterior, How Should a Person Be?.
Ao se aproximar dos quarenta anos, numa fase em que todas as suas amigas se perguntam quando irão ter filhos, a narradora do romance intimista e urgente de Heti — no limiar entre a ficção e autorreflexão — questiona se aquela é uma experiência que ela quer ter.
Numa narrativa que se estende ao longo de muitos anos, moldada a partir de conversas com seus pares e seu parceiro e de sua relação com os pais, ela se vê em um embate para fazer uma escolha sábia e coerente. Depois de buscar ajuda na filosofia, no próprio corpo, no misticismo e no acaso, ela descobre a resposta num lugar bem mais familiar do que imaginaria.
Para comprar o livro, é só clicar no link abaixo:
Maternidade é uma mistura de relato com ficção e ensaio. Acompanhamos a trajetória de uma mulher que, aos 37 anos, se questiona se realmente deseja ter filhos ou se seria somente uma imposição cultural/social. Ela mistura questionamentos pessoais com a história de sua mãe e de sua avó, traçando uma linha entre essas três mulheres e seus sofrimentos pessoais.
Gostei muito do livro por embarcar num tema que é considerado tabu. O que leva as mulheres a serem mães? Como elas chegam nessa decisão? O que as impele em direção à maternidade? Será que toda mulher quer ser mãe? Por que as pessoas acham que sempre podem decidir e/ou opinar nessa escolha? Por que a decisão de não ter filhos assusta tanto?
Durante a leitura, a personagem embarca numa jornada de autorreflexão, introspecção e questionamentos sem fim. Alguns momentos realmente mexeram comigo, fizeram me identificar com a situação da mulher ou concordar com ela. Maternidade sempre será uma escolha difícil para algumas pessoas e fácil para outras. Como saber em qual desses lados você se encaixa?
A narradora parece com Sheila Heti, mas não é um romance autobiográfico. Ele mergulha na ficção e na realidade, faz uma mistura de gêneros. Trata-se de um estilo literário interessante, apesar de alguns momentos serem cansativos; muitas deliberações que parecem chegar a lugar nenhum. Sem contar que a vida da mulher – classe média alta, branca, canadense, escritora de sucesso, em um relacionamento com um homem que parece um cubo de gelo, de tanta frieza – não é tão fácil de se espelhar. Os questionamentos são bons, os diálogos com outros personagens também; mas alguns problemas da personagem chegam a ser meio infantis.
Ler este livro é como adentrar na cabeça de alguém com problemas de autoestima, identidade e profunda tristeza. A personagem tem depressão e até chega a tomar remédios a partir de determinado momento. Portanto, os sentimentos dessa mulher em conflito com si mesma permeiam toda a narrativa, causando uma sensação de intromissão, como se estivéssemos lendo o diário de outra pessoa.
Senti uma frieza muito grande nas relações estabelecidas pela protagonista. O relacionamento com o namorado, as amigas, os colegas de trabalho, a família, são de um distanciamento absurdo. A personagem constrói um muro alto e intransponível. Ao mesmo tempo, é um show de autocomiseração; ela não consegue se amar e projeta diversas frustrações e paranoias nos outros.
Algo que achei bastante interessante no livro é sua construção. Os capítulos são como um ciclo menstrual: folicular, TPM, sangramento, ovulação. Como se o próprio corpo feminino ditasse as regras e a “alma do tempo”. Em cada fase do ciclo, as dúvidas, aflições e felicidades se misturam, se combinam ou se afastam. Só mulheres sabem como o ciclo menstrual pode ser um pandemônio.
Separei algumas frases marcantes de Maternidade para quem deseja saber o que vai encontrar durante a leitura:
“Ela nunca pôde me contar qual era o problema, apenas dizia eu estou cansada. Será possível que ela estivesse sempre cansada? Eu me perguntava, quando era criança, será que ela não sabe que é infeliz? Eu achava que a pior coisa do mundo era ser infeliz sem saber.” (p.27)
“Percebi que não tinha pensado, apenas continuei permitindo que as ondas da vida me jogassem de um lado para o outro, sem construir nada.” (p.33)
“Ela disse que não era uma questão de escolher uma vida no lugar de outra, mas perceber qual a vida que te escolheu.” (p.40)
“Uma vez que a vida raramente se curva às nossas expectativas, para que ter expectativas em primeiro lugar? Não seria melhor não traçar planos? Mas isso também parece loucura, porque planos e desejos às vezes se realizam. Mesmo que não se realizem, eles nos levam a algum lugar. Ou pelo menos temos a impressão de que, sem desejos e planos, ficaríamos presos no mesmo local.” (p.41)
“Há algo de ameaçador em uma mulher que não está ocupada com os filhos. Uma mulher assim provoca certa inquietação. O que ela vai fazer então? Que tipo de problemas ela vai arrumar?” (p.44)
“Subitamente tudo pareceu uma enorme conspiração para impedir as mulheres na casa dos trinta – quando você finalmente tem algum juízo e alguma habilidade e experiência – de fazer qualquer coisa realmente útil com essa idade. E é difícil fazer alguma coisa quando uma parte tão grande da sua mente, a qualquer momento, está preocupada com essa possibilidade – uma pergunta que parecia não incomodar nem um pouco os homens bêbados.” (p.104-105)
“Que maravilhoso é trilhar um caminho invisível, onde o que mais importa mal pode ser visto.” (p.109)
“Por toda minha vida, sempre que eu imaginava ter filhos, nunca levava em conta os prazeres e as alegrias que isso traria. Tudo que eu podia ver era o sofrimento – a terrível dor de ter um filho, de se preocupar com ele e amá-lo.” (p.141-142)
“Viver de um jeito não é uma crítica a todos os outros jeitos de viver.” (p.148)
“O problema é que a vida é longa, e tanta coisa acontece por acaso, e escolhas feitas em uma única semana podem afetar toda uma vida, e a parte de nós que decide não está sempre sob nosso controle.” (p.200)
Ser ou não ser mãe? Essa é a questão.
NOTA:
Isabela Zamboni Moschin é jornalista, especialista em Língua Portuguesa e Literatura e mestre em Mídia e Tecnologia. Adora café, livros, séries e filmes. Atualmente, trabalha como Analista de Conteúdo na Toro Investimentos